quarta-feira, 21 de agosto de 2013

- Maria no Novo Testamento *Segunda Parte -


PARTE 2


O evangelho de João não menciona Maria por existir algum interesse independente nela. De fato, ela nem mesmo é chamada de Maria nesse evangelho, mas de mãe de Jesus, sendo definida com base em seu parentesco com Jesus. A história das bodas de Caná (Jo 2.1-12) e a de Maria aos pés da cruz (Jo 19.25-27) emolduram a parte que trata do ministério nesse evangelho. E interessante que embora o quarto evangelista seja muito minucioso no que se refere a revelar nomes de pessoas, há duas exceções: a mãe de Jesus e o discípulo amado que aparece aos pés da cruz.
A história de Caná começa com a informação de que havia um casamento nessa localidade, não muito distante de Nazaré, e a mãe de Jesus estava lá. Jesus e alguns discípulos também tinham sido convidados para o casamento. A mãe de Jesus procura-o para resolver um problema: acabara o vinho. A resposta de Jesus é inesperada: “Mulher, que tenho eu contigo?”. A versão grega dessa frase transmite um tom de antagonismo. Jesus parece estar se colocando fora da autoridade de sua mãe. Nesse evangelho, Jesus só aceita ordens do Pai celestial. Só o Pai pode determinar quando é chegada a “hora” de Jesus. Ele não rejeita a necessidade de ajudar; é só uma questão de autoridade. Talvez esteja implícito na frase “A minha hora ainda não chegou” que Jesus compreende ter uma obrigação para com sua mãe naquela hora. No quarto evangelho, Maria só é introduzida na família da fé no momento da cruz. Mas essa história das bodas de Caná sugere que Maria conhecia não só a natureza compassiva de Jesus mas também sua capacidade de realizar milagres. Ao contrário de seus filhos, Maria tinha alguma fé em Jesus e no que ele podia fazer. Observe que ela entrega o problema nas mãos de Jesus, quando diz: “Fazei tudo o que ele vos disser”, e presume que Jesus agirá sem que seja necessário insistir mais. Num evangelho tão cheio de simbolismo, talvez o fato de a mãe de Jesus ser chamada por ele de “mulher” signifique que ela precisa conquistar sua posição no reino, não reivindicando privilégios por causa de seu parentesco com Jesus, mas como uma mulher semelhante a outras. Será como mulher que ela entrará na comunidade da fé, em João 19.
Como as bodas de Caná, a história de Maria e do discípulo amado ao pé da cruz não tem paralelo nos evangelhos sinóticos. Só no evangelho de João ouvimos falar que a mãe de Jesus estava no local da crucificação. Mais uma vez, o evangelista vai em busca do significado mais profundo da história por meio da apresentação do homem e da mulher paradigmáticos aos pés da cruz.
Observe a ordem dos eventos dessa história, em João 19.25-27. Jesus, primeiro, diz: “Mulher, aí está o teu filho”; depois, vira-se e diz: “Aí está tua mãe”. Jesus integra sua mãe na comunidade da fé e, como numa espécie de última vontade e testamento, garante que alguém cuidará dela quando ele se for. Enquanto em João 2 vemos desobrigação, em João 19 vemos unificação e compromisso. Aqui, Jesus toma a iniciativa de fazer algo por sua mãe e também pelo discípulo que Jesus amava. Jesus faz desaparecer a tensão entre os papéis de Maria como mãe e como discípula. Agora, ela pode desempenhar sua função de mãe com outro discípulo. Jesus a chama de “mãe” não porque deseja reatar os laços filiais, mas porque quer que ela assuma seu lugar na comunidade da fé, o que Atos 1.14 mostrará ter acontecido, de fato. Jesus une sua própria família à família da fé e lhes dá um lar na casa do discípulo fiel.
Jesus dirige-se a Maria e ao discípulo amado e dá a ambos uma tarefa espiritual. É interessante, porém, que só o homem é chamado de discípulo aqui. E claro que o relacionamento com Maria é posterior à sua fé e ao discipulado. Maria não é mostrada aqui como mãe da igreja, mas sim como mãe espiritual dentro da igreja. O evangelista está agora focalizando essas duas pessoas como tipos ou modelos. Elas são como Adão e Eva aos pés da árvore, só que, nesse caso, as coisas dão certo e o resultado é vida e comunhão, em vez de alienação em relação a Deus e à humanidade. A cena sob a cruz talvez esteja ligada também à nova igualdade entre homem e mulher, sob a graça. A nova comunidade é beneficiada e não dividida pelos papéis e relacionamentos tradicionais. Em Cristo, a dignidade da mulher é restaurada e sua igualdade atestada, como é demonstrado no caso de Maria. Ela é apresentada como mulher e mãe, como parente e discípula. Tendo efetuado a reconciliação entre a família física e a família da fé, Jesus estava realmente apto a dizer: “Está consumado” (19.30).

Nenhum comentário:

Postar um comentário